domingo, 13 de janeiro de 2019

CONTO
A TARTARUGUINHA AZUL 

Na fonte do parque, um belo chafariz espargia gotinhas, pequenas borbulhas furta-cor que faziam a alegria das crianças ao redor. Uma delas pegou uma bala do bolso e com um olhar guloso tirou o papel que a envolvia; botou o doce na boca, apertou o celofane entre os dedos e o jogou na fonte.
Aquilo arrepiou-me. Fiquei sentada á beira da água olhando o destino do brilhoso envoltório. A força do chafariz o levava flutuando e quando chegou perto de mim, o que eu vi foi uma tartaruguinha de celofane azul, delicada, com grandes olhos redondos.
Um outro menino pequeno comia um pêssego suculento e afobado engasgou-se, e tossiu um pedacinho amarelo da fruta, que foi dar na corrente da fonte e bater de frente com a tartaruguinha de celofane. Parecia que ela queria lhe devorar, porém não tinha bico porque era de papel, e o bocadinho amarelo ficou ali num vai e vem, até que uma carpa rosa (habitante da fonte) abriu sua boquinha de lábios grossos, fez “glub- glub” e o engoliu.
Quando a carpa subiu para pegar o pêssego a tartaruga ficou presa na aleta dorsal do peixe. A carpa nadava suavemente e a tartaruguinha brilhava no seu dorso, dando um espetáculo mágico. Uma menina gritou:
- Mamãe, uma tartaruga anda de barco no peixe.
Várias crianças olharam incrédulas para o milagre da forma que o papel enrugado tomou, e todos ficaram seduzidos até que o menino levado, aquele que tinha jogado o papel na fonte disse:
-É meu, é meu celofane azul, vou pegar bobalhões.
Uma vovó sentadinha na beira da fonte falou-lhe com doçura e autoridade ao mesmo tempo.
-Não meu querido, você não vai pegar não. Esta tartaruguinha nasceu quando você jogou o papel; deveria ter jogado na lixeira. Quando o celofane caiu na fonte transformou-se nesta belezura que agora pertence à carpa, e aos meninos fascinados que a olham. Fique bem quietinho.
O rapazinho envergonhado não falou mais nada, e juntou-se aos que seguiam os movimentos da carpa carregando seu papelzinho azul, sua tartaruguinha de celofane.
-Vovó, falou uma pequenina, porque a senhora não deixou pegar o que era dele? E ela respondeu:
-Quando alguém joga fora algo que não quer mais, pode ser um papel, um amor, um sapato, um amigo, ou mesmo um brinquedo porque não quer cuidar, não gosta mais, não o deseja, não o ama e o descarta, se aparecer outro que pega para amar ou cuidar este objeto ou sentimento, ele lhe pertence, e não mais àquele que o jogou.
Eu fiquei prestando atenção naquilo tudo, escutando a sabedoria da anciã, que não perdeu o momento certo para educar. Pensei na bela estória que acabava de desenvolver-se à minha frente. Voltei para minha casa lembrando quantas vezes tinha jogado fora algo que para mim não tinha mais valor. Aprendi uma lição para a vida toda. Eu tinha apenas doze anos.
A tartaruguinha azul vive em mim até hoje. Com setenta e três anos ela me aparece nos momentos mais inesperados.
Dea Coirolo – copyright. D.R.
Foto da internet - Tartaruga Azul do Panamá
Gravatá – 13/01/2019


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